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Clínica Miosótis Núcleo de Desenvolvimento Humano

O AMOR E A PSICOPATOLOGIA

“Amamos a vida, os outros, e, sobretudo a nós mesmos.
Estamos condenados a amar, pois com está
multiplicidade de laços libidinais tecemos uma rede de
sentido para nossas existências. As diversas modalidades
de ilusões amorosas, são responsáveis pela confiança
imaginária que depositamos no destino, na importância
que temos para os outros, no significado de nossos atos
corriqueiros. Não precisamos pensar nisso o tempo todo;
é preciso estar inconsciente de uma ilusão para que ela
nos sustente.” (Kehl, 2009)

Assim, como o universo foi constituído no caos cósmico da explosão do Big Bang, nós somos constituídos no caos pulsional da psique, entre o emaranhado das fantasias do outro e das nossas idealizações sobre o outro e de nós mesmo.
O amor para a psicanálise encontra-se nesta confusão pulsional, ou seja, é a energia psíquica que movimenta nosso aparelho mental, empregada no mundo e nas coisas. O amor é a junção da energia psíquica com a rede simbólica na qual somos inseridos através da linguagem, tornando-se um filtro de significados do mundo, nos dando um sentido de realidade e por vezes tem a função de defesa, nos afastando da angustia do real incapturável, desta alteridade, este outro estranho.
Nesse sentido dizer que “o amor está em toda parte” como sugere algumas propagandas, é coerente, ele vai estar em toda parte que houver atividade humana, o impulso de vida.
Uma das formas mais reconhecidas de amar está nos cuidados aos quais destinamos aos outros ou a nós mesmo. Na verdade, entender o amor como cuidado é um saber advindo de uma herança arcaica. Os humanos são a única espécie do reino animal que demoraram para desenvolver independência e capacidade de auto-proteção, permanecendo durante um longo tempo ao lado de seus progenitores. Neste ponto é possível notar a intrínseca relação entre o instinto de sobrevivência e o afeto. Se o homem primitivo não tivesse desenvolvido relações afetivas para estabelecer uma
conexão grupal, o futuro da espécie estaria em risco. Mas, como nos alerta Freud, para que isso fosse possível o homem teve que suprimir muito de seus impulsos de agressividade (1930).
Minha experiência clínica indica que talvez toda queixa encubra uma questão sobre o amor, seja em relação ao seu excesso ou em sua ausência. Freud, disse a celebre frase: “Em última analise, precisamos amar para não adoecer” (1914), como evidenciamas psicopatologias.  
“A depressão é uma imperfeição do amor”, escreve Andrew Solomon, autor de "O demônio do meio-dia”, que aborda o tema da depressão através da própria vivência e de outros com a patologia.

Dentro do campo das psicopatologias, as depressões vieram nos mostrar através das queixas das pessoas acometidas pela doença: a ocorrência de um escoamento de interesse pelas coisas no mundo, um crescente desinvestimento na vida, falta de sentido nas coisas acrescido de um estado de confusão mental, falta de apetite sexual dentre outras coisas, que como lê Maria Rita Kehl:

“diz do rompimento na rede de sentido e amparo,
momento em que o psiquismo falha em sua atividade e
deixa transparecer o vazio que nos cerca, ou o vazio que
o trabalho psíquico tenta escamotear. É o momento de
um enfrentamento insuportável com a verdade. Algumas
pessoas conseguem evitá-lo a vida toda. Outras passam
por ele em circunstâncias traumáticas e saem do outro
lado. Mas há os que não conhecem outro modo de
existir; são órfãos da proteção imaginária do “amor”,
trapezistas que oscilam no ar sem nenhuma rede
protetora embaixo deles.” (2003)

Alguns estudos psicanalíticos que abordam outra psicopatologia: a anorexia - remete esta perturbação mental a estados anteriores da vida psíquica, ao período de amamentação durante a primeira experiência de amor do ser humano, a precoce relação mãe-bebê.
Para o anoréxico, comer ou não comer implicava na doação e privação de amor.
O não comer estaria relacionado à privação da afeição como uma resposta e também como uma repetição do que era vivido no âmbito familiar.
O anoréxico como as demais pessoas ao demandar, pede também por amor, com a diferença de que para ele esse sentimento parece ser mais forte. Não basta que o alimento venha suprir uma necessidade, é preciso que este também seja signo de amor (Silva, 2005). Dessa forma, poderíamos pensar que a anorexia não se trata de fome de alimento, mas sim de amor. Lacan havia dito sobre a anorexia mental que “é a criança alimentada com mais amor que recusa o alimento e usa sua recusa como um desejo” (1958, p. 634).
O tema do amor e sua relação com as psicopatologias, daria um vasto e complexo estudo. Este breve texto explanado de forma sucinta e incompleta, tem por finalidade inserir a reflexão sobre a intermediação da chegada e saída dos pacientes em analises, pois a forma como as pessoas se posicionam frente ao signo do amor os conduzirá na vida. Deste modo, em minha concepção a clínica psicanalítica é a clínica do amor!

                                                                                          Texto:  Rosangela Cavalcante

                                                                                              Psicologa - CRP 06/117156

REFERENCIAL BIBLIOGRAFICO
Freud, Sigmund (1914). Introdução ao Narcisismo. Rio de Janeiro. Ed. Imago.
Freud, Sigmund (1930). Mal estar na civilização. Rio de Janeiro. Ed. Imago.
Kehl, Maria Rita. UMA EXISTÊNCIA SEM SUJEITO. 2003.
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/mais/fs2601200302.htm. acesso em: 2018.
Lacan, J. (1956-1957). O Seminário. Livro 4: A relação de objeto. Rio de Janeiro: Jorge
Zahar Editor, 1995
Silva, A. N. (2005). Anorexia entre o desejo e o gozo. Dissertação de mestrado,
Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Brasil.

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